Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro (PSL) na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), recebeu irregularmente R$ 16,8 mil de auxílio-educação para uma das filhas, entre 2007 e 2011, quando trabalhava para o então deputado estadual.
O montante foi recebido irregularmente por Queiroz como auxílio-educação da filha Nathália Melo de Queiroz. Ela, no entanto, não tinha direito ao benefício porque trabalhava — na Alerj, inclusive, e indicada pelo pai.
Queiroz teve de ressarcir o valor, com parcelas que foram pagas até 2015, após um inquérito concluído em 2012 na Assembleia. O documento foi obtido com exclusividade pelo G1.
O auxílio foi renovado – irregularmente – mesmo depois de devassa em benefícios
concedidos pela Casa, em episódio conhecido como Bolsa Fraude, em 2008. Na
época, todas as bolsas foram cortadas temporariamente. Para renová-la, o
funcionário precisava assinar uma declaração de que estava ciente das regras.
Queiroz assinou, mesmo sem cumpri-las. Esta irregularidade só foi descoberta em
2011.
No episódio do Bolsa Fraude, deputados chegaram a ser cassados por contratar
funcionários-fantasma e embolsar o benefício. Nem Flávio nem Queiroz são
citados naquela investigação.
A reportagem entrou em contato com o advogado que defende Queiroz no caso do
Coaf. Ele informou que a Alerj também descontou valores indevidos do
ex-assessor. Quanto à renovação irregular, o próprio Queiroz alegou
“correria”.
Nathália também era empregada no gabinete de Flávio, depois passou ao setor de taquigrafia da Alerj e voltou ao gabinete do filho do atual presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL). Na época, ela estudava Educação Física na Universidade Castelo Branco no turno vespertino.
A reportagem teve acesso ao inquérito por meio da Lei de Acesso à Informação
(LAI), com pedido feito em dezembro e deferido no mês seguinte.
Renovação
irregular em meio a escândalo
A irregularidade no auxílio-educação de Nathália Queiroz, segundo o processo na
Alerj, ocorre porque o benefício só pode ser pago aos dependentes que não têm
emprego. Durante três períodos, Fabrício recebeu o benefício relativo a
Nathália enquanto ela trabalhava:
De 20/09/2007 a 04/03/2008;
De 11/03/2008 a 01/02/2011;
De 01/04/2011 a 01/08/2011.
No dia 4 de março de 2008, a Alerj determinou o cancelamento de todos os
auxílios-educação de funcionários da Casa em meio ao “Bolsa Fraude”. Pessoas
pobres e com muitos filhos eram contratadas como “fantasmas” para que
os deputados contratantes ficassem com o dinheiro do salário e/ou do auxílio.
Com a pressão popular, a Alerj decidiu passar um pente-fino no benefício. Os
deputados determinaram que, para pedir novos auxílios ou a renovação dos
antigos, os funcionários deveriam assinar um documento declarando conhecer
todos os requisitos para sua obtenção. Entre eles, a impossibilidade de o
beneficiário ter emprego para receber o auxílio.
No dia 11 daquele mês, exatamente uma semana depois do cancelamento do
benefício, Queiroz voltou a pedi-lo. Menos de um mês depois, no dia 9 de abril,
assinou a declaração de que conhecia as regras para obtenção do auxílio.
Naquela época, Queiroz tinha três filhos inscritos no benefício e recebia o
mesmo número de cotas. Cada uma delas de R$ 447,25 — o que equivale a R$ 835
atualmente, corrigidos pelo IPCA. Queiroz era assessor CAI-16, cujo salário
atualmente é de R$ 5.486,76.
Assessor de
Flávio Bolsonaro citou ‘correria’
Em depoimento em 2012, quase quatro anos depois da renovação do
auxílio-educação irregular de Nathália, Fabrício disse que não prestou atenção
no que assinou. O argumento também foi utilizado pelo advogado que o defendeu,
conforme o termo de depoimento de Queiroz:
(Fabrício declarou) que assinou o requerimento sem observar o texto impresso;
(…) que assinou ‘na correria’ para não perder o benefício”.
O caso foi analisado pela Comissão Permanente de Processo Administrativo da
Alerj, que sugeriu a devolução do dinheiro e enviou a recomendação ao
primeiro-secretário da Casa, deputado Wagner Montes (hoje no PRB). Ele acatou e
pediu a “aplicação da pena de repreensão” a Queiroz.
O entendimento da sub procuradoria-geral da Alerj indicou que a
“existência de boa fé (…) é bastante duvidosa”. O parecer destaca
que a renovação do benefício foi solicitada logo depois do cancelamento e que
ele assinou um documento.
“Além de omitir fato determinante para o cancelamento do benefício que
vinha percebendo, prestou falsa declaração à administração da Casa, o que pode
configurar, inclusive, ilícito de natureza penal.”
Na conclusão do processo, no entanto, a comissão entende que “não houve
má-fé do indiciado, mas negligência”.
“Trata-se de um servidor da Polícia Militar que exercia atividade-fim de
policiamento das ruas, que foi convidado para trabalhar como segurança do
deputado Flávio Bolsonaro em 2007 e, desde então, trabalha mais na rua que
dentro do gabinete e que, devido a isso, todo e qualquer requerimento seu à
administração da Casa (…) era feito pelos servidores do gabinete e que ele
apenas assinava e, em especial, se tratando do fato gerador deste procedimento,
ele afirma ter assinado ‘na correria'”.
Queiroz ‘não tem
trato com papéis’, disse advogado
O advogado de Queiroz à época declarou que, por ser PM, o assessor de Flávio
Bolsonaro era alguém que “definitivamente, não tem trato regular com
papéis, condição subjetiva a ser considerada”. E afirma ainda que o
cliente remediou o erro ao percebê-lo, três anos depois.
Em entrevista recente ao SBT, ao justificar a movimentação atípica apontada
pelo Coaf, Queiroz disse que era “um cara de negócios”.
“Eu sou um cara de negócios. Eu faço dinheiro. Eu faço, assim, eu compro,
revendo, compro, revendo. Compro carro, revendo carro. Eu sempre fui assim.
Sempre”.
Filha: Queiroz não lia o que assinava
Em agosto de 2012, Nathália Melo de Queiroz também prestou depoimento após ser
intimada. Ela foi ouvida como testemunha e, segundo o termo de oitiva, disse
que começou a trabalhar para Flávio Bolsonaro em 2007.
Ela foi exonerada em fevereiro de 2011 e, dois meses depois, virou assessora
parlamentar do setor de taquigrafia da Alerj. Em seguida, voltou a trabalhar
com Bolsonaro. Na oitiva, disse que não se lembrava exatamente quando. E
defendeu o pai.
“(Nathália) Respondeu que seu pai nunca agiu de má-fé e que comumente ele
assina os documentos sem ler”, disse, conforme um dos trechos do
depoimento.
Segundo a comissão julgadora da Alerj, o caso só foi descoberto em 2011 quando
Fabrício tentou renovar o auxílio-educação de Nathália e, em vez de dar o seu
próprio número de matrícula, forneceu o de Nathália.
O servidor do Departamento de Administração de Pessoal que o atendeu percebeu a
distração e se deu conta de que, Nathália sendo funcionária da Alerj, ele não
poderia receber o auxílio-educação dela. Este mesmo servidor orientou Fabrício
a corrigir o erro e este pediu o cancelamento do benefício irregular, dando
início ao inquérito.
“O fato dele mesmo ter comparecido ao DAP (Departamento de Administração
Pessoal) para renovar o seu benefício e fornecido a matrícula de sua filha
(…), por engano, serviu para que fosse descoberto o erro e, em seguida,
orientado pelo servidor Leonardo (…) o indiciado deu entrada no presente
processo, requerendo o cancelamento do benefício, ora recebido irregularmente”,
concluiu a comissão.
‘Descontos
indevidos’
Os “descontos indevidos” a que a defesa de Queiroz se refere são um
anexo do processo em que pede o cancelamento do desconto da Rioprevidência.
Isso porque ele, que é policial militar, estava “emprestado” ao
gabinete de Flávio. No entanto, o desconto previdenciário ocorria nos dois salários.
“De outro lado (Alerj), também houve descontos indevidos dele. Houve uma
compensação, e foi reconhecido que ele não agiu de má-fe. Se houve compensação
de valores que foram descontados de forma indevida, não houve má-fé”,
sustenta a defesa.
Fonte: Portal do Zacarias.