A tempestade Grace levou chuvas torrenciais e enchentes, na madrugada desta terça-feira (17), à região de Les Cayes, na costa sul do Haiti. Um dos pontos mais atingidos na cidade, a 200 km da capital Porto Príncipe, foi um complexo de tendas -muitas das quais com crianças e bebês-, erguidas para abrigar famílias desalojadas pelo terremoto do último sábado (14).
Na manhã desta terça, enquanto a tempestade se afastava em direção à Jamaica e deixava apenas uma chuva fina no Haiti, mais de cem pessoas se movimentavam no acampamento para consertar as coberturas improvisadas, feitas de postes de madeira e lonas.
A tempestade era aguardada com muita apreensão, já que o Haiti ainda contabiliza os danos do terremoto, que deixou ao menos 1.941 mortos, segundo números preliminares divulgados nesta terça. Les Cayes foi uma das cidades mais impactadas.
Em Jacmel, a 92 km da capital, as águas tomaram as ruas da cidade costeira, como mostrou vídeo publicado por Deus Deronneth, um político local. “Mais uma vez, Peredo e Marigot inundaram”, escreveu.
A chuva forte afetou a chegada de ajuda para centenas de milhares que buscam comida, água ou abrigo. “Neste momento, cerca de meio milhão de crianças haitianas têm nenhum ou limitado acesso a abrigo, água potável, assistência de saúde e nutrição”, relatou Bruno Maes, representante do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância).
A tempestade comprometeu ainda a busca por vítimas do terremoto, mesmo que a esperança de encontrar um número significativo de sobreviventes já fosse reduzida quando as chuvas atingiram Les Cayes.
“Incontáveis famílias haitianas que perderam tudo no terremoto estão agora vivendo literalmente com seus pés na água devido às enchentes”, disse Maes.
Houve quem buscasse abrigo temporário em garagens de casas, como Vital Jaenkendy, cujo prédio onde morava desabou. À agência Reuters, ele disse que tem dormido ao lado de vizinhos sob uma lona em uma estrada próxima aos restos do edifício, para onde planejava voltar após a passagem de Grace.
A casa de Jaenkendy é uma das 37 mil destruídas no tremor, segundo as autoridades do país. Como muitas ainda estão em destroços, a expectativa é que o número de mortos aumente, mas não deve atingir os 200 mil vistos em 2010.
Os danos materiais também são contabilizados em grandes hospitais, o que dificulta os esforços humanitários, bem como em pontos focais de muitas comunidades, como igrejas e escolas.
A Usaid (Agência para Desenvolvimento Internacional dos EUA) disse que retomou operações de busca na manhã desta terça, após suspendê-las durante a madrugada, e que trabalhava com parceiros internacionais para aumentar a assistência. Mesmo que as expectativas sejam baixas, as equipes de resgate continuam realizando escavações, acompanhadas pelos moradores, e em meio a um cheiro de poeira e de corpos em decomposição.
Nos hospitais, onde os agora mais de 9.900 feridos são atendidos, a situação é caótica. No lado de fora, os pacientes ocupam tendas improvisadas; dentro, ficam em macas espalhadas pelos corredores ou em camas estreitas em quartos lotados.
Soma-se a isso a falta de profissionais de saúde e suprimentos. “Temos cerca de 34 crianças hospitalizadas agora, mas ainda precisamos de mais ajuda de pediatras. SOS [sigla para socorro]”, escreveu Marie Cherry, médica no hospital geral de Les Cayes, em mensagem de texto enviada à Reuters. A pediatra Lucette Gedeon, que atua como voluntária na ala neonatal improvisada, disse à agência de notícias que acabaram antibióticos e anestésicos.
Entre os atendidos do lado de fora estava o bebê de um mês de Marceline Charles, atingido por um tijolo quando sua casa desabou. Os destroços também causaram um corte profundo na cabeça de sua filha de 7 anos. “Não sei se ela irá sobreviver”, desabafou.
Às vezes, o atendimento não chega a tempo, como no caso da filha de 26 anos de Lanette Nuel. “Não havia médicos suficientes e agora ela está morta”, relatou, do lado de fora do hospital em Les Cayes, junto do corpo coberto por um lençol branco.
Mathieu Jameson, vice-líder do comitê formado pelos abrigados nas tendas em Les Cayes, disse que centenas de pessoas precisam urgentemente de comida, abrigo e assistência médica. “Não temos um médico. Não temos comida. Não temos banheiro, lugar para dormir. Precisamos de comida, mais guarda-chuvas”, descreveu, acrescentando que o complexo ainda aguardava auxílio do governo.
O primeiro-ministro do país, Ariel Henry, prometeu ajuda humanitária mais robusta do que a de 2010. Embora bilhões de dólares em dinheiro de ajuda tenham sido fornecidos ao Haiti após o terremoto e o furacão Matthew (em 2016), muitos haitianos dizem que viram poucos benefícios diretos, devido a esforços descoordenados -órgãos governamentais permaneceram fracos, e persistiu a escassez de alimentos e produtos básicos.
As recentes tragédias climáticas atingiram ainda um país mergulhado em uma crise política acentuada pelo assassinato do presidente Jovenel Moïse, em 7 de julho. O acesso a Les Cayes, por exemplo, já estava complicado, com gangues controlando estradas importantes do país.
Apesar da situação do país, os EUA afirmaram que não pretendem enviar militares, segundo o conselheiro de Segurança Nacional, Jake Sullivan. Nesta terça, ele afirmou que ainda é cedo para medir o impacto do terremoto no processo político haitiano.
A preocupação quanto à tempestade Grace agora se dirige à Jamaica, que já registra fortes rajadas e estradas tomadas pelas chuvas, e ao México, onde deve se tornar um furacão na quinta (19), segundo o Centro Nacional de Furacões dos EUA.