No esforço para reduzir a rejeição do presidente Jair Bolsonaro no eleitorado feminino, a primeira-dama Michelle Bolsonaro alardeou na convenção do PL domingo que o presidente Jair Bolsonaro “sancionou 70 novas leis de proteção à mulher”. Levantamento feito pelo Estadão mostra que a primeira-dama inflou o número. No seu mandato, Bolsonaro sancionou 46 projetos, nenhum de autoria do seu governo, e vetou seis propostas que beneficiavam diretamente as mulheres. O Congresso derrubou dois desses vetos do presidente para fazer valer os projetos.
Segundo o Ministério das Mulheres e Direitos Humanos, a primeira-dama se baseou numa lista produzida pela Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados, comandada por uma aliada do governo, a deputa Celina Leão (Progressistas-DF). Do total de 70 projetos, entretanto, 26 não tem relação direta com as mulheres. A lista inclui projetos como o que define como crime acusar falsamente um candidato nas eleições, seja qualquer distinção de gênero.
“Falam que ele não gosta de mulheres e ele foi o presidente da história que mais sancionou leis para as mulheres, para proteção das mulheres. Setenta leis, setenta leis para proteção das mulheres”, disse Michelle na convenção do PL.
Dos projetos aprovados pelo Congresso, Bolsonaro foi contra seis deles de forma integral ou parcialmente. Entre eles, o que garante distribuição de absorventes a mulheres carentes e o que concedeu pagamento do auxílio emergencial em dobro para mulheres chefes de família durante a pandemia de covid-19.
“Essa é uma postura 100% eleitoreira. De uma hora para outra, Bolsonaro quer dizer que se preocupa com as mulheres. Para mim, isso é uma grande piada de mau gosto”, disse a deputada Tabata Amaral (PSB-SP). As pesquisas mostram que o público feminino rejeita o nome de Bolsonaro. Dados recentes do DataFolha mostram que Bolsonaro tem 21% da preferência das eleitoras, contra 49% do petista Luiz Inácio Lula da Silva. A diferença de 28 pontos percentuais é uma das maiores registradas pelo instituto de pesquisa.
“O Bolsonaro é amplamente rejeitado pelas mulheres brasileiras e essa fala da Michelle é uma estratégia eleitoreira de tentar reduzir a rejeição em um setores que foi ponta de lança da resistência ao governo Bolsonaro”, afirmou a deputada Fernanda Melchiona (PSOL-RS), autora do projeto que garantiu o auxílio emergencial em dobro para mulheres chefes de família, vetado pelo presidente e que teve o veto derrubado pelo Congresso. “Uma série de projetos foram aprovados pela pressão das mulheres, não teve nada a ver com o governo, foi apesar do governo Bolsonaro”, complementou. Nenhum dos projetos foi de iniciativa do governo.
No caso do projeto sobre distribuição de absorventes, a proposta chegou a ser alvo de chacota do presidente. Bolsonaro chamou a iniciativa de “auxílio Mods”. O programa que atende diretamente as mulheres, mesmo após a derrubada do veto presidencial e ter virado lei, ainda não foi implementado pelo governo. Deputadas defensoras da medida avaliam ações para cobrar a efetividade da lei.
A lista usada para o discurso de Michelle inclui até mesmo propostas que contrariam a luta das mulheres por direitos na política. Uma das leis sancionadas pelo presidente anistiou os partidos que não aplicaram os recursos exigidos por lei para estimular a participação feminina.
O orçamento para programas que atendem as mulheres também despencou. Ao mesmo tempo em que a pandemia acentuou a violência contra a mulher, as verbas para o enfrentamento desse drama caíram de R$ 60,9 milhões em 2018 para R$ 1 milhão neste ano, em valores corrigidos pela inflação. O orçamento do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos é o menor da Esplanada dos Ministérios, com R$ 978,8 milhões para manutenção das atividades e investimentos.
Na relação dos projetos sancionados, estão a Lei Mariana Ferrer, que pune o constrangimento de vítimas e testemunhas em julgamentos de crimes sexuais, o que criminaliza a violência política contra a mulher, a proposta que tipifica o crime de perseguição e a medida que concede o direito de mães amamentarem seus filhos durante a realização de concursos públicos.
Estadão Conteúdo